TAMBOR DE
MINA
Tambor de Mina é a denominação mais difundida das religiões
Afro-brasileiras no Maranhão, Piauí, Pará e na Amazônia. A palavra tambor deriva da importância do instrumento
nos rituais de culto. Mina
deriva de negro-mina, de São Jorge da Mina,
denominação dada aos escravos
procedentes da “costa situada a leste do Castelo de
São Jorge da Mina” (Verger, 1987: 12) , no atual República de Gana,
trazidos da região de hoje Repúblicas do Togo,
Benin e da Nigéria, que eram conhecidos principalmente
como negros mina-jejes e mina-nagôs. O Maranhão foi importante núcleo atração de
mão de obra africana, sobretudo durante o último século do tráfico de escravos
para o Brasil (1750-1850), e que se concentrou na
Capital, no Vale do Itapecuru e na Baixada Maranhense,
regiões onde havia grandes plantações de algodão e cana-de-açúcar,
que contribuíram para tornar São Luís
e Alcântara
cidades famosas entre outros aspectos, pela grandiosidade dos sobradões
coloniais, construídos com mão de obra escrava e pela harmonia, beleza e
coreografia das músicas de origem africana.
Como as demais religiões de origem africana no
Brasil (Candomblé, Umbanda, Xangô, Xambá, Batuque, Toré, Jarê e outras), o tambor de mina se
caracteriza por ser religião iniciática e de transe ou possessão. No tambor de
mina mais tradicional a iniciação é demorada, não havendo cerimônias públicas
de saída, sendo realizada com grande discrição no recinto dos terreiros e poucas pessoas recebem os graus
mais elevados ou a iniciação completa.
A discrição no transe e no comportamento em geral é uma
características marcante do tambor de mina, considerado por muitos como uma maçonaria de negros, pois apresenta
características de sociedades secretas.
Nos recintos mais sagrados do culto (peji
em nagô, ou côme em jeje), penetram apenas os iniciados mais
graduados.
O transe no tambor
de mina é muito discreto e às vezes percebível apenas por pequenos
detalhes da vestimenta. Em muitas casas, no início do transe, a entidade dá
muitas voltas ao redor de si mesmo, no sentido contrário ao dos ponteiros do
relógio, talvez para firmar o transe, numa dança de bonito efeito visual.
Normalmente a pessoa quando entra em transe recebe um símbolo, como uma toalha
branca amarrada na cintura ou um lenço, denominado pana, enrolado na mão ou no
braço.
Na Mina, cerca de noventa por
cento dos participantes do culto são do sexo feminino e por isso, alguns falam
num matriarcado nesta religião. Os homens desempenham
principalmente a função de tocadores de tambores, isto é, abatás, daí a definição abatazeiros, também se encarregam de certas
atividades do culto, como matança de animais de 4 patas e do transporte de
certas obrigações para o local em que devem ser depositados. Algumas casas são
dirigidas por homens e possuem maior presença de homens, que podem ser
encontrados inclusive na roda dos dançantes.
Existem dois modelos principais de
tambor de mina no Maranhão: mina jeje e mina nagô. O primeiro parece ser o mais
antigo e se estabeleceu em torno da Casa
grande das Minas Jeje (Querebentan de Zomadônu), o terreiro mais
antigo, que deve ter sido fundado em São Luís
na década de 1840. O outro, que lhe é quase
contemporâneo e que também se continua até hoje é o da Casa de Nagô,
localizada no mesmo bairro (São Pantaleão) a uma quadra de distância.
A Casa das Minas é única, não possui casas
que lhe sejam filiadas, daí porque nenhuma outra siga completamente seu estilo.
Nesta casa os cânticos são em língua
jeje (Ewê-Fon) e só se recebem divindades denominadas de voduns,
mas apesar dela não ter casas filiadas, o modelo do culto do Tambor de Mina é
grandemente influenciado pela Casa das Minas.
Nos terreiros de Tambor de Mina é comum a realização de festas e folguedos da
cultura popular maranhense que às vezes são solicitadas por entidades
espirituais que gostam delas, como a do Festa do
Divino Espírito Santo, o Bumba-meu-boi, o Tambor de Crioula e outras. É comum também
outros grupos que organizam tais atividades irem dançar nos terreiros de mina para homenagear o dono da
casa, as vodunsis e para pedir proteção às entidades espirituais para suas brincadeiras. Sérgio Ferretti:
"No Tambor de mina do Maranhão pouco se fala em Oxum,
Oiá e Obá, conhecidas nos terreiros influenciados pelo candomblé. Os orixás e voduns se agrupam em
famílias ou panteões."
A SAGA DE NÃ AGOTIMÉ
A saga de Nã Agotimé é pura magia.
Representa a força dos elementos naturais transformando a vida que se
transforma em culto. Desde tempos imemoriais se cultuava os voduns da família
real do Daomé, hoje Benim. Um Clã mágico e místico iluminava o continente
negro, quando a África foi conturbada por guerras tribais em busca do poder.
Muitos reis se sucederam e Daomé, que era apenas uma cidade, tornou-se um país.
No palácio Dãxome, reinava Agongolo. O rei tinha como segunda esposa a rainha
Agotimé e dois filhos (Adandozan, do primeiro casamento, e Gezo, nascido de
Agotimé).
No momento de sua morte, o rei elegeu seu segundo filho para
sucedê-lo no trono, mas a sua ordem foi desconsiderada e Adandozan assumiu o
trono como tutor de Gezo. Abomey tornou-se vítima de um governo tirânico e
cruel. A rainha era conhecida em seu reino pelas histórias que contava sobre
seus ancestrais e sobre o culto aos reis mortos. Guardava os segredos do culto
a Xelegbatá, a peste. Detentora de tais conhecimentos, o novo rei tratou de
mantê-la isolada, acusando-a de feitiçaria, e não hesitou em vendê-la como
escrava. Em Uidá, grande porto de venda de escravos, Agotimé foi jogada nos
porões imundos de um navio e trazida para o Brasil.
O sofrimento físico da
rainha, traída e humilhada, era uma realidade menor, pois o seu espírito
continuava liberto e sobre as ondas a rainha liderou um grande cortejo,
atravessando o mar. Desse episódio se forjou um dos elos que une a África ao
Brasil.
Casas de Culto em São Luís
Casa das
Minas ou Querebentã de Toy Zomadonu - fundada
em meados do século XIX, e segundo Pierre Verger, por Nã
Agotimé, da família real de Abomey, esposa do rei Agonglô,
mãe do rei Guezô do Daomé, trazida como escrava para o Brasil,
e aqui conhecida pelo nome de Maria Jesuína. A casa dedica-se ao culto jeje dos
voduns, que estão organizados por clãs, a saber: Davice que é a principal,
hospedando as demais: Dambirá (Damballah), Quevioçô
(Heviossô), Aladanu e Savalunu.
É considerada a mais antiga casa
de tambor de mina no Maranhão, localizada à rua de São Pantaleão, no centro
histórico de São Luís. Foi liderado por matriarcas de renome como nochê Andreza
de Poliboji e nochê Amélia de Doçu que muito contribuíram para o reconhecimento
de sua identidade daomeana. Com o falecimento de uma das últimas vodunsis-hê,
Tia Celeste de Averequete em 2010, o terreiro segue sob a liderança de nochê
Deni de Lepon, e ao que parece, apesar de sua grande representatividade
cultural, a Casa das Minas está em processo de desaparecimento.
Casa de Nagô
(Nagon Abioton) - fundada por africanos de tradição yourubá, mais
precisamente, de Abeokuta, deu origem a
outros terreiros de São Luís,
em que são recebidas entidades africanas jeje-nagôs ou (iorubás): Doçu,
Averequete, Ewá, Acóssi,
Sakpatá, Nanã, Xapanã, Ogum,
Xangô, Badé, Iemanjá (Abê), Lissá, Naeté,
Sogbô, Avó Missã
dentre outros; gentis de origem européia ou caboclas de origem nativa: Dom Luís
Rei de França, Dom João, Dom Floriano, Dom Sebastião, Toy Zezinho de Amaramadã,
Rei da Turquia, S. Ricardino, S. Caboclo Velho, Princesa D’Ôro, S. Guerreiro,
D. Mariana, S. Légua Boji, S. João da Mata e muitos outros. Segundo relatos,
foi fundada à época de D. Pedro II por malungos
africanos "de Nação", ajudados pela fundadora da Casa das Minas. Localizada na Rua Cândido
Ribeiro no centro histórico de São Luís, a Casa de Nagô é considerada irmã da
Casa das Minas, que juntamente com esta influenciou os demais terreiros de São
Luís.
Outros dois terreiros antigos merecem
ser lembrados: o Terreiro do Egito
(Niamê) e o Terreiro da Turquia
(Nifé Olorum) (já extintos) que originaram vários outros terreiros, com
destaque para a Casa Fanti Ashanti,
do voduno Talabyan Euclides Ferreira
sendo a única com espaço dedicado ao candomblé; Terreiro de Mina Abê-Iemanjá, do carismático voduno Jorge
Itaci (falecido em 2003), hoje chefiado pela nochê Florência de
Agongon; Terreiro Fé em Deus, de
nochê Elzita.
Merece destaque o Otá Olé (Terreiro de Mina Pedra de Encantaria Rei Badé, do voduno José
Itaparandi).
No Maranhão, especificamente, em São Luís,
há uma diversidade de terreiros, até hoje não catalogados. Além disso muitas
casas funcionam precariamente principalmente por dificuldades financeiras.
Acredita-se que existem mais de 200 terreiros espalhados na capital
definindo-se como Mina, Umbanda ou Mata
(Encantaria de Barba Soeira).
Existem terreiros de mina chefiados
por pais e mães de santo, feitos no Maranhão, ou de origem maranhense, no Piauí, Pará, Amazonas, na Região Sudeste, como a Casa
das Minas Tóia Jarina1 , fundada por Tói Voduno Francelino de
Shapanan, em Diadema - São Paulo.
Observações
Na Mina há festas especiais para voduns, gentis
e caboclos, sendo que de acordo com o desenvolver do culto mudam-se os toques e
os cânticos também, dependendo da família ou linha de entidades que se queira
homenagear. Os voduns são as entidades superiores no culto e tudo começa e
termina com eles, entretanto, convivem e podem ser celebrados juntamente com
gentis ou caboclos (encantados), porém as festas em homenagens aos encantados
geralmente ocorrem em separado.
A riqueza do culto e sua peculiaridade pode
ser observada na liturgia, nos instrumentos, nos trajes, no comportamento das
entidades e nos cânticos em língua jeje ou nagô, isto é, num jeje (fon)
intraduzível, deturpado naturalmente no decorrer de séculos. Além dos cânticos
tradicionais entoados aos voduns, cantam-se várias 'doutrinas' em português e
ladainhas em latim, isto se deve ao fato de que o tambor-de-mina, com exceção
da Casa das Minas, ser um mixto de elementos nagôs (yorubás), jeje (ewe-fon),
fanti-ashanti, ketu, agrono ou cambinda (angola-congo),
indígenas e europeus (catolicismo romano). Por essa riqueza cultural e pelo
próprio sincretismo presente no culto, estes elementos convivem de forma
harmônica, sendo quase impossível separar do Tambor-de-Mina, o catolicismo
popular, o folclore local e a Encantaria, já que,
nesta acepção em especial, a maioria das casas de culto dedica-se também à Cura
ou Pajelança.
Entretanto, o que de fato vem
descaracterizando o Tambor de Mina, é a influência direta ou indireta de
denominações não originárias do Maranhão, como a Umbanda e o Candomblé exercida
sobre muitos líderes de terreiros maranhenses, notória no usos de alguns
vocábulos, práticas, rituais e paramentos próprios do candomblé ou da umbanda,
porém totalmente alheios à Mina e que leva a que o culto seja, de maneira
errônea e apressada, considerado como uma nação do Candomblé ou uma variedade
da Umbanda.
Referências
- ALVARENGA, Oneyda. 1948. Tambor de Mina e Tambor de Crioula. São Paulo: Biblioteca Pública Municipal.
- BARRETTO, Maria Amália Pereira. 1977. Os voduns do Maranhão. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão.
- BARROS, Antonio Evaldo Almeida. 2007. O Pantheon Encantado: Culturas e Heranças Étnicas na Formação de Identidade Maranhense (1937-65). Dissertação de Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos. Salvador: PÓS-AFRO/CEAO/UFBA.
- EDUARDO, Octávio da Costa. 1966 [1948]. The Negro in Northern Brazil: a study in acculturation. Seattle: University of Washington Press.
- FERRETTI, Sérgio. 1995. Repensando o sincretismo. São Paulo: Edusp.
- FERRETTI, Sérgio. 1996 [1985]. Querebentã de Zomadonu: etnografia da Casa das Minas. São Luís: UFMA.
- FERRETTI, Mundicarmo. 2000a [1993]. Desceu na Guma: o caboclo do Tambor de Mina no processo de mudança de um terreiro de São Luís - a Casa Fanti-Ashanti. São Luís: UFMA, 2ª edição.
- NICOLAU PARÉS, Luis. 1997. The Phenomenology of spirit possession in the Tambor de Mina. Tese de Doutorado. Londres: SOAS/University of London.
- PACHECO, Gustavo. 2004. A Música do Tambor de Mina. Boletim da Comissão Maranhense de Folclore nº 28.
- PEREIRA, Nunes. 1979. A Casa das Minas: contribuição ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns do panteão daomeano no Estado do Maranhão. Petrópolis: Vozes.
- VERGER, Pierre. 1987. Fluxo e Refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos. Salvador: Currupio, 1987.
- PRANDI, Reginaldo. 1997 Nas pegadas dos voduns Um terreiro de tambor-de-mina em São Paulo.[1] Publicado na revista Afro-Ásia, Salvador, nº 19/20, pp. 109–133, 1997
Ligações externas
- Comissão Maranhense de Folclore
- Federação Internacional de Estudos das Tradições Religiosas e Culto aos Ancestrais Afro Brasileiros
- Casa das Minas
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